Fenômeno de visibilidade relativamente recente, os povos indígenas vem crescentemente mobilizando, no contexto de seus embates com o Estado (brasileiro ou outros), imagens da terra e da Terra (Natureza, Ambiente, Planeta) irredutíveis ao estatuto de bem imóvel inscrito em um regime de propriedade em termos do qual são geralmente reconhecidos (e frequentemente desconhecidos) os seus direitos territoriais. Apostamos que essas imagens, parte da cosmopolítica indígena contemporânea, conectam-se parcialmente àquilo que escolhemos (no âmbito do Laboratório de Antropologias da Tterra) chamar de T/terra — e que consideramos ter estado sempre presente nas etnografias. Mas bifurcados: e um lado, nos estudos das sociocosmologias indígenas, sob a forma do tema “espaço” através de variadas escalas (o espaço da casa, da aldeia, do cosmos), como codificação simbólica das relações entre humanos bem como entre humanos e não-humanos. De outro lado, nos estudos etnohistóricos, de contato ou arqueológicos, sob a forma seja do território como extensão constitutiva ou expressiva de um domínio político, seja do ambiente como substrato material da vida indígena. O primeiro objetivo dessa comunicação é pois sugerir conexões entre os conceitos de lugar, espaço, paisagem, território, territorialidade e (des/re)territorilização para além das fronteiras que estas divisões de trabalho vieram a separar.
Esse cruzamento de fronteiras parece tanto mais urgente quanto ameaçadas estão as terras indígenas no Brasil. Acreditamos que — assumindo uma antropologia que compreenda a noção de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios como determinável apenas em termos das próprias práticas indígenas de conhecimento e territorialidade (isto é, em termos dos seus “usos, costumes e tradições”) — uma tal exploração conceitual possa facilitar novos alinhamentos entre discurso antropológico e discurso indígena, capazes quiçá de habilitar interferências e resistências efetivas na conjuntura presente. Falar de terra no contexto da expansão e aprofundamento, após o golpe de 2016, do regime de exceção que impera faz muito tempo em terras urbanas e rurais brasileiras, exige uma atenção cuidadosa às responsabilidades e limites tanto da antropologia como projeto intelectual quanto da prática acadêmica em que parte deste projeto se realiza. Os dois anos de atividade do Tterra tem nos proporcionado experiências que talvez valham ser compartilhadas nesse registro.
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