Simpósio dos Pesquisadores do CEstA

 

Simpósio dos Pesquisadores do CEstA

PROGRAMA:

21 de OUTUBRO (Manhã):

09:00h às 09:30h – Eduardo Natalino dos Santos

09:30h às 10:00h – Fabíola Silva

10:00h às 10:30h – Sylvia Caiuby Novaes

10:30h às 11:00h – Marta Amoroso

11:00h às 12:00h - Debate

 

21 de OUTUBRO (Tarde):

14:00h às 14:30h – Ana Yano

14:30h às 15:00h – Dominique Gallois

15:00h às 15:30h – Renato Sztutman

15:30h às 16:00h – Danilo Paiva

16:00h às 16:30h – Fabiana Maizza

16:30h às 17:30h - Debate

 

RESUMOS:

 

Eduardo Natalino dos Santos (Departamento de História/CEMA/CEstA/USP)

O passado narrado por eles e o passado narrado por nós. Reflexões sobre as historicidades e a verossimilhança na Mesoamérica e nos Andes Centrais

Apresentaremos algumas das principais características das explicações mesoamericanas e andinas sobre o passado para mostrar que a junção de concepções particulares de tempo, espaço, personagem e evento conformaram modos próprios de explicar e se referir ao passado em cada uma dessas duas macrorregiões. Também colocaremos essas explicações, especialmente as que mexicas e incas produziram sobre suas migrações, em contato com dados arqueológicos e outras fontes escritas e iconográficas provenientes da Mesoamérica e Andes Centrais para refletir sobre o tipo de verossimilhança que essas narrativas estabeleceram com acontecimentos e processos pretéritos aos quais se referem, ou com aquilo que nossa tradição histórica e arqueológica conhece sobre eles.

 

Ana Yano (Pós-Doutoranda em Antropologia Social/CEstA/USP)

“Todos me deixaram e eu vivo só”: modos caxinauá de saber fazer, saber morrer

Esta apresentação trata das relações entre os saberes e a morte – e os mortos – a partir de minhas vivências junto a Pepe, estimado xinanya (“pensador”) caxinauá, então residente na comunidade de San Martín, no Alto Purus. Comedidos ao expressar sua dor e tristeza, ensinaram-me os caxinauá que não é prudente chorar em demasia por aqueles que estão longe ou que já se foram. O perigo de pensar nos mortos – em especial, quando a perda for recente – não é tanto dar vazão à tristeza, mas a propensão da pessoa saudosa a exceder a medida da lembrança. Pensar, para eles, não se encerra no ato de rememorar e atualizar a lembrança de algo ou alguém, mas de conduzir insistentemente seu xinan (“pensamento”) ao encontro daquilo que se deve esquecer e distanciar. Por outro lado, a sabedoria, em sua plenitude, requer do(a) aprendiz caxinauá que se engaje ativamente em relações que transcorrem muito além dos limites das casas e aldeias. Aprende-se com quem é de fora, come-se com ele, enfeita-se para ele a fim de “saber fazer” tal como faziam, outrora, os antigos. E nessas redes por onde circulam conhecimentos tão diversos, os mortos também têm muito a ensinar, a despeito dos riscos e da tristeza que irremediavelmente acompanham os saberes por eles passados adiante.

 

Fabiana Maizza (Pós-Doutoranda em Antropologia Social/CEstA/USP)

Antropologia e Feminismos: algumas conexões

Minha apresentação visa refletir sobre antropologia e feminismo, considerando um como ponto de vista privilegiado para se pensar o outro. Meu fio condutor é a reflexão crítica sobre o corpo e a divisão sexo/gênero presente tanto no pensamento feminista como antropológico. Em um primeiro momento, procurarei colocar questões levantadas pelos movimentos feministas para se pensar algumas das categorias analíticas utilizadas na antropologia – como público e doméstico, indivíduo e sociedade, natureza e cultura. Em seguida, reverto as posições e me volto para minha pesquisa etnográfica com os Jarawara - povo falante de uma língua Arawá e habitantes do médio curso do rio Purus -, cujas reflexões e práticas problematizam temas como ‘corpo’ e ‘gênero’, centrais nos argumentos feministas. Procuro refletir sobre a festa de saída das meninas em reclusão, o mariná, e seus efeitos na composição de uma agência feminina “levável” (towaka). A ideia que desenvolvo é que a “sonolência” (nokobisa), o “cansaço” (mama) e a “beleza” (amosa) são formas de ações rituais que visam extrair dos corpos femininos suas capacidades de “serem leváveis” (towakama) – qualidade igualmente associada aos xamãs. Em suma, por um lado, defenderei o feminismo como posicionamento crítico na escrita etnográfica; e por outro, procurarei refletir sobre os desafios às formulações Ocidentais colocados por outros pontos de vistas, advindos da própria pesquisa etnográfica.

 

Marta Amoroso (Departamento de Antropologia/CEstA/USP)

Operações de Development/Desenvolver-Gente na Amazônia Contemporânea: Movimento de Professores Indígenas Murae a Pajelança

O foco das operações contemporâneas de indigenização do mundo recai na produção de parentes, assim como de relações interétnicas nas cidades que garantam a emergência dos coletivos indígenas enquanto figuras autônomas diante das pressões do mercado e do Estado. Marshall Sahlins nos mostra que os processos de indigenização do mundo contemporâneo acionam dispositivos de development, termo que remetido ao contexto das narrativas indígenas é traduzido pelo antropólogo por desenvolver-gente. Operações de desenvolver-gente são notadas entre os Mura na Amazônia e como as descritos por Sahlins, se caracterizam por inverter a lógica que orienta as rotas de produção, circulação e acúmulo de mercadorias do capitalismo ocidental, deslocando o foco das atenções para o que J. Overing (1989) identifica como “estética da produção” das comunidades. Os resultados da operação de desenvolver-gente acionada nos municípios da Amazônia tem feito os Mura saltarem nos ranks da demografia indígena, fazendo tais coletivos figurarem entre as maiores populações indígenas do Brasil, revertendo um diagnóstico de desaparecimento dos Mura fartamente documentado nos dois últimos séculos. Uma Assembleia dos Professores Indígenas Mura, como as organizadas pela Organização dos Professores Indígenas Mura - OPIM, em Autazes, chega a reunir quase uma centena de professores indígenas, que atuam nas aldeias Mura.  Grande foi o salto que separa esta nova realidade da escola indígena diferenciada implantada por demandas dos movimentos indígenas, espaço de atuação de jovens professores-pesquisadores indígenas, da escola rural que acolhia os Mura sem identifica-los. Hoje as escolas indígenas diferenciadas Mura de Borba e Autazes são conduzidas exclusivamente por professores indígenas. E, já há pelo menos 10 anos, à medida que a passagem de um modelo para o outro foi se consolidando, a escola foi se afirmando como centro importante de deliberações políticas. Já se nos ativermos aos temas de interesse das pesquisas conduzidas pelos professores-pesquisadores, a pajelança, o modo de vida tradicional e aspectos da política indígena nas aldeias reforçam uma ênfase dos Mura nas cosmopolíticas. Propomos nesta apresentação acompanhar como os Mura ao se apropriarem dos equipamentos do Estado e das ONGs criados nas terras indígenas – especialmente escolas e programas de patrimonialização da cultura - conceituam e praticam cosmopolíticas que asseguram relações de qualidade para a manutenção da vida das comunidades.

 

Sylvia Caiuby Novaes (Departamento de Antropologia/CEstA/USP)

 Rituais e Festas Bororo e o contexto da Comissão Rondon

O objetivo da comunicação é apresentar a pesquisa que realizei com Edgar Teodoro da Cunha (UNESP) e Paul Henley (University of Manchester) sobre o filme de Thomaz Reis – Rituais e Festas Bororo, de 1916, no contexto dos trabalhos da Comissão Rondon. Centrado no funeral Bororo, o filme, que pode ser considerado como o primeiro documentário etnográfico já realizado no mundo, é analisado nos seus aspectos fílmicos e também a partir das circunstâncias históricas e políticas do momento de sua realização.

 

Dominique Tilkin Gallois (Departamento de Antropologia/CEstA/USP)

 Transformações nos modos de relação às origens e aos grafismos kusiwa. Wajãpi - AP

A partir de reflexões de jovens e de conhecedores wajãpi, suscitadas pelo processo em curso de revalidação do registro da "Arte Kusiwa" como patrimônio cultural imaterial do Brasil, a comunicação tratará das transformações nos modos de circulação dos saberes e práticas corporais envolvendo essa iconografia. Os grafismos kusiwa potencializam múltiplas conexões, entre elas as que se desenvolvem hoje nos contextos pan-indígenas, tanto nas cidades como em eventos realizados nas aldeias indígenas do Amapá e norte do Pará. A descrição abordará também a atual translação da noção de modo de existência (-reko) para a de "cultura". 

 

Fabíola Andréa Silva (Museu de Arqueologia e Etnologia/ LINTT/CEstA/USP)

Antropologia das expedições e do colecionismo em tempos de crítica pós-colonial. Refletindo sobre a história da coleção Asurini do Xingu no WeltMuseum-Viena

Nos últimos anos tem havido um crescente interesse por parte da antropologia para elucidar as conjunturas históricas e científicas nas quais se desenvolveram as expedições colecionistas nos séculos XIX e XX. Cada vez mais se entende que as coleções que se encontram nos museus são documentos/arquivos engendrados pelas expedições e que contam uma história multifacetada sobre os encontros e desencontros entre diferentes mundos e pessoas. Essas coleções, porém, tornam-se ainda mais interessantes como um objeto de estudo antropológico à medida que as populações indígenas das quais elas se originam atuam como colaboradores para desvendar esta história multifacetada. Quando diferentes sujeitos se encontram para refletir sobre as coleções, ou mesmo sobre um objeto específico nelas contido se pode apreender a relevância destes acervos não apenas para contar a história da antropologia e da museologia, mas principalmente, para compreender como se dá – a partir dos regimes de historicidade indígenas – a relação entre o passado e o presente e o quanto isto pode ser relevante para a definição do seu futuro no mundo.

 

Renato Sztutman (Departamento de Antropologia/CEstA/USP)

A estética da chefia indígena

Partindo do exemplo dos antigos Tupi da costa, entre os quais um grande guerreiro – que poderia também ocupar uma posição de liderança política (tais os morubixabas) – expressava seu prestígio por meio da intensificação de marcas inscritas no corpo e adornos (imagens), bem como por meio de palavras (discursos, cantos, nomes), gostaria de propor uma reflexão mais geral sobre uma “estética da chefia indígena”. Essa reflexão não se destaca daquela que Pierre Clastres propôs acerca da “filosofia da chefia indígena”, a ausência de poder político coercitivo na figura do chefe não implica a ausência de uma economia de prestígio, fortemente atada à circulação de objetos e de palavras. Se o chefe não manda, ele não deixa de ser o responsável em fazer o grupo aparecer. E ele faz o grupo aparecer justamente por meio dessa circulação de objetos e palavras, que são a objetificação de relações. É preciso discutir esse “fazer aparecer” – esta estética, que é também uma tecnologia – da chefia indígena por meio da consideração do cruzamento de diversas formas expressivas. Nesse sentido, a indagação que parte do caso dos antigos Tupi da costa deve ceder lugar para um exercício comparativo com materiais etnográficos de diferentes povos da Amazônia atual.

 

Danilo Paiva (Pós-Doutorando em Antropologia Social/CEstA/USP)

A caminho da Cidade das Onças. Diálogos oníricos no percurso para a Serra Grande-Metrópole dos Hupd’äh

Ainda sentindo o cheiro da fumaça da tocha que nos protegera das onças durante toda a noite, começamos a despertar. Estávamos sem rumo desde a tarde passada quando perdemos o rastro da trilha para a Serra Grande. Desesperançosos, alguns já diziam que o melhor seria desistir de nossa subida da /PaçPög/, “Serra Grande. Logo cedo, ainda em suas redes, alguns viajantes começaram a conversar comigo sobre seus sonhos noturnos. Nos itinerário oníricos,  visitaram o topo da serra, comeram coca com amigos mortos na cidade e beberam caxiri na aldeia de TatDëh. Nesse trabalho, procuro entender a relação entre as conversas sobre sonhos e eventos ocorridos durante a viagem à Serra Grande. Tomando como referência a etnografia da fala, busco descrever e comparar os contextos de enunciação, princípios formais, gestos e sequências enunciativas para delinear os contornos desse modo de interação (Sherzer e Bauman, 1989). Toma-se a justaposição cosmológica da Cidade das Onças, paisagem onírica e xamânica, para pensar a articulação ontológica entre os caminhos pela floresta e os deslocamentos para a cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM). Tenta-se delinear como os sentidos vão sendo constituídos reflexivamente em conversas que vão permitindo aos viajantes situarem-se em campos relacionais para a interação com os seres que habitam as paragens perpassadas pelos caminhos (Garfinkel, 2006).

 

Organização: Centro de Estudos Ameríndios – CEsTA 

Apoio: MAE-USP e LINTT 

Sala 14 - Prédio de Ciências Sociais - FFLCH/USP