CEstA Intempestiva com Guilherme Heurich

 

A partir de trabalho de campo realizado entre os Araweté, proponho uma reflexão sobre a relação entre vivos e mortos através da análise dos cantos de um dos gêneros da música vocal araweté e através de uma descrição das ações dos Araweté durante a performance desses cantos. Na etnologia ameríndia, os mortos são frequentemente equacionados aos inimigos (H. Clastres, 1968) e/ou a uma posição de alteridade radical em relação aos vivos (Carneiro da Cunha, 1978) e, nesse sentido, é necessário um esforço de separação, de apagamentos dos traços e da restrição aos nomes dos mortos (Albert, 1985). Por um lado, o que chama a atenção no caso dos Araweté é que os vivos não somente mencionam frequentemente os seus mortos como também os recebem em suas aldeias quando seus xamãs trazem os mortos para cantar. Por outro lado, as ações desencadeadas pela morte de uma pessoa visam desconstruir as relações entre parentes vivos e mortos e, nesse processo, destacam-se os cantos cantados pelos xamãs, o conteúdo e a forma do discurso dos mortos nos cantos e, finalmente, o que os vivos fazem para que os mortos possam nos esquecer. Sugiro, então, que os cantos araweté são ferramentas para a desconstrução das relações entre parentes vivos e mortos, e, nesse sentido, são uma técnica do esquecimento.

Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, favo 8