Carta de Repúdio dos Antropólogos Indígenas do PPGAS da USP

CARTA DE REPÚDIO DOS ANTROPÓLOGOS INDÍGENAS DO PPGAS DA USP

Nós Antropólogos indígenas do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (USP), das etnias, Tupi Guarani Nhandewa, Pankará, Matsés/Mayuruna, Manoki, Terena e Kaiowá, viemos por meio desta, manifestar e repudiar o Projeto de Lei 490/2007 de autoria do Deputado Homero Pereira (PSD/MT), relatada na Comissão de Constituição e Justiça, e de Cidadania da Câmara dos Deputados pelo Deputado Arthur Maia (DEM/BA).

      A proposta fere diretamente direitos constitucionais e deixa claro o objetivo das mudanças. Os interesses não mais escusos é de desmonte de políticas indigenistas seguindo a cartilha do agronegócio entre outros interesses. “Passar a boiada” como é o jargão da política da extrema direita e possui como política atual a marca do descaso, do genocídio e da destruição total da diversidade brasileira. É de se entender que quanto aos indígenas é a vez do extermínio total.

A PL abre caminho para a ampliação de interesses de grupos econômicos nacionais e transnacionais, que há mais de três décadas destroem, a todo custo, os artigos constitucionais 231 e 232, com inúmeras PECs que confrontam nossos interesses e bem estar.

Nós, enquanto Antropólogos indígenas repudiamos a tal proposição. Ela é inconstitucional e afeta diretamente os direitos “já garantidos” na Constituição Federal de 1988. O direito dos povos indígenas à terra é uma cláusula pétrea, e se a PL da retirada dos direitos indígenas e do ódio não poder ser aprovada. Caso contrário, os problemas serão cada vez mais agravantes, e os maiores prejudicados serão os povos indígenas. A PL do ódio é a do genocídio continuado junto aos povos indígenas, com o objetivo de matança, do extermínio e de desmonte total de órgãos de defesa dos interesses indígenas.

A realidade das comunidades indígenas de todo Brasil é diversa e envolvem questões que põe a Constituição Federal na garantia não só na demarcação dos territórios indígenas, como garante inúmeros direitos aos mais de 305 povos indígenas. É de conhecimento de toda a sociedade civil que muitas áreas indígenas estão em conflitos e disputas com fazendeiros, grileiros, mineradoras, entre outras empresas e grupos econômicos que patrocinam inúmeras mortes de povos indígenas.

Estamos diante de ataques, com os mínimos direitos garantidos, sendo que mesmo assim, sempre são presenciadas cenas de assassinatos de lideranças que lutam contra esses invasores que vivem explorando o território indígena. São recorrentes os ataques de madereiros, missionários, garimpeiros, pescadores e caçadores de animais.

Isso pode ser notado, por exemplo, no ocorrido da Terra Indígena Yanomami no dia 10 de maio de 2021, na aldeia Palimi, que foi atacada por diversos disparos de arma de fogo pelos dos garimpeiros pertencentes a facções criminosas. Assim como também ocorreu com o povo Munduruku, no Pará, em que foi relatado a ocorrência de um incêndio criminoso na casa de uma das lideranças, com já retratada nos noticiários de veiculação nacional.

Diversos ataques sempre têm sido influenciados pelo discurso de ódio e propagação dos constantes ataques incentivados pelo genocida. Não há dúvidas de que esses exploradores, notando sempre que há um discurso a favor da exploração e do extermínio dos povos, sentem-se representados e no direito de invadir, explorar e atacar, sem temer as conseqüências legais, e muito menos respeitar os direitos dos povos indígenas, prescritos em Constituição.

O nosso repudio contra o PL é porque ela só reforça esse tipo ataque contra os direitos dos indígenas. O que sempre é reivindicado para a proteção das terras e da população, é a criação de bases de segurança nos território indígenas, a fim de reduzir o número de conflitos e estabelecer o bem estar de convívio em segurança. Não seria de interesse exclusivo essa aprovação da PL beneficiar os povos indígenas, mas sim fica cada vez mais nítido o quanto essa mudança pode beneficiar a exploração e a intensificação dos conflitos.  

 Ressaltamos que a demarcação de terras indígenas deve-se manter no âmbito do Executivo e não do Legislativo. Portanto, esperamos que a CCJC tenha sensibilidade de não deixar avançar, sem consulta prévia como sugere a OIT 169, a tramitação desta matéria PL 490/2007. Nestes tempos tão difíceis dessa atual pandemia e toda a fragilidade que a população vem sofrendo, em diversos aspectos, há ainda uma recorrência prejudicial que este atual governo provoca em vários âmbitos para a sociedade, e sempre as populações mais desprovidas sofrem cada vez mais as conseqüências.

O PL nº 490/2007 é INCONSTITUCIONAL, e afronta os direitos garantidos da Constituição Federal aos povos indígenas. A Constituição Federal estabelece de forma nítida a competência do poder Executivo sobre demarcação de terra indígena: “Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

 

NOTE OF REPUDIATION FROM INDIGENOUS ANTHROPOLOGISTS
​​​​​​​
OF THE UNIVERSITY OF SÃO PAULO’s PPGAS

 

We, Indigenous Anthropologists of the Graduate Program in Social Anthropology at the University of São Paulo (USP), belonging to the Tupi Guarani Nhandewa, Pankara, Matsés/Mayuruna, Manoki, Terena and Kaiowá Indigenous nations, hereby state our repudiation of Bill 490/2007, authored by Deputy Homero Pereira (PSD/MT), under consideration by the Constitution Justice and Citizenship Committee (CCJC) of the Chamber of Deputies by Deputy Arthur Maia (DEM/BA).

The proposal directly violates constitutional rights and makes the purpose of the proposed changes clear. The no longer hidden aim is the dismantling of Indigenous rights in favor of the interests of agribusiness, among others. Right-wing politicians and parties are attempting to push these changes through as our attention and energy is focused on the COVID-19 pandemic, and its current policy is of neglect, genocide and the total destruction of Brazilian diversity. The message is that, as far as Indigenous are concerned, it is time for total extermination.

This Bill paves the way for the expansion of the interests of national and transnational capital, which for more than three decades has been hindering and undoing, at all costs, the substantial implementation of Articles 231 and 232 of Brazil’s 1988 Constitution with countless bills that are set against our interests and well-being.

We, as Indigenous anthropologists, reject Bill 490/2007. The Bill is unconstitutional and directly affects the rights that are “already guaranteed” by the Federal Constitution of 1988. The right of Indigenous peoples to land is a permanent clause, and this bill, which goes against Indigenous rights and is based on a politics of hate, cannot be approved. Otherwise, our problems will become more and more aggravating, and the greatest harm will be to Indigenous peoples. This bill of hatred is part of the continued genocide of Indigenous peoples, with the objective of killing and exterminating Indigenous peoples and of totally dismantling the public organs that defend Indigenous interests.

The realities of Indigenous communities throughout Brazil are diverse and involve issues that demand the Federal Constitution’s guarantee not only of the demarcation of Indigenous territories, but also further countless rights to more than 305 Indigenous peoples. Civil society is well aware that many Indigenous areas are in conflict and disputes with farmers, land grabbers, mining companies, among other companies and economic groups that promote countless deaths of Indigenous peoples.

We are facing attacks, as our minimum rights are guaranteed, and even so, we witness the murders of leaders who fight against these invaders that live from the exploitation of Indigenous territories. Attacks by loggers, missionaries, miners, fishing companies and animal hunters are recurrent.

This can be seen, for example, in what happened in the Yanomami Indigenous Land on May 10, 2021, in the Palimi village, which was attacked and fired at by armed miners belonging to criminal factions. As was the case with the Munduruku people, in Pará, in which a criminal fire was reported in the house of one of the leaders, as already portrayed in the national news.

Different and various attacks have always been influenced by hate speech and the spread of constant attacks encouraged by the genocidal administration we currently have in Brazil. There is no doubt that these exploiters, always noting that there is a discourse in favor of the exploitation and extermination of Indigenous peoples, feel represented and feel the right to invade, exploit and attack Indigenous peoples, without fearing legal consequences, let alone respecting Indigenous rights. indigenous peoples prescribed in the Constitution.

Our repudiation against the Bill is because it only reinforces this type of attack against Indigenous rights. What we have always demanded for the protection of Indigenous lands and peoples is the creation of security bases in Indigenous territories to reduce the number of conflicts and establish safety. This Bill is not designed to benefit Indigenous peoples, but it becomes increasingly clear how much it can benefit exploitation and the intensification of conflicts.

We emphasize that the demarcation of Indigenous lands must remain within the Executive and not the Legislative power. Therefore, we hope that the CCJC has the sensitivity of not allowing Bill 490/2007 to proceed without prior consultation, as prescribed by the ILO 169. In these very difficult times of this current pandemic and all the fragility that the Brazilian population has been suffering, in various aspects, this current government causes its own kinds of injuries whose consequences are always and increasingly borne by the most disadvantaged populations.

Bill 490/2007 is UNCONSTITUTIONAL and violates the rights guaranteed to Indigenous peoples by Brazil’s Federal Constitution. The Federal Constitution clearly establishes the competence of the Executive power over the demarcation of Indigenous lands: “Art. 231. Indigenous peoples’ social organization, customs, languages, beliefs and traditions, and their original rights over the lands they traditionally occupy, is recognized, and it is up to the Union to demarcate them, and to protect and ensure the respect of all their assets.”

PPGAS USP