Aprender a aprender entre os Guna no Panamá: norma e subjetivação no contexto de uma economia afetiva uxorilocal
A chegada de um recém-nascido é anunciada em Gunayala como o nascimento de um pescador ou de uma coletora de água, cujo virtuosismo no futuro é antecipado pelas mulheres na forma de versos improvisados para acalmar as crianças e fazê-las dormir. As atividades que a criança vai desempenhar no futuro, se ela vai "pensar" nos seus parentes e beneficiá-los com o produto do seu trabalho, esse é o tema básico dos acalantos. As canções para os meninos insistem no fato de que a criança vai para longe, deixando de "pensar" em sua mãe, em suas irmãs e em suas tias. No contexto dessa "economia afetiva", contudo, há meninos que "não vão embora". Eles desenvolvem desde cedo um senso de pertencimento ao universo feminino que é considerado autêntico por seu grupo de residência e pela comunidade onde vivem. Essas pessoas são consideradas omeggid, "parecem mulher": não se casam e permanecem associadas à sua casa natal, onde residem com as mulheres consanguíneas durante a vida adulta.
Analisando o cruzamento entre as apelações e o sistema de atitudes em contexto de corresidência, procuro responder neste paper a uma questão que aprendi a formular com Gregory Bateson: como descrever um sistema de modo a incorporar sua tendência à desordem? A comunicação se apoia em um conjunto de acalantos registrados durante meu trabalho de campo em Gunayala (2011-2015). Esse material será utilizado para caracterizar o simbolismo da perda e da separação que podemos encontrar na mitologia, no ritual, na sociologia das trocas cotidianas e na "linguagem da intimidade" expressa pelas canções de ninar. Partindo de uma abordagem "ethológica" (Bateson 1936) do parentesco Guna, isto é, estudando a relacionalidade como experiência “sensível” ou “afetiva”, determinada por "estrutura e estratégia" (Bourdieu 1972, 1980; Lévi-Strauss 1979, 1984), meu objetivo será de descrever um “sistema uxorilocal” ameríndio a partir das suas potências de modulação da regra, destacando então seu caráter generativo de "autonomia pessoal" (Overing 1989) e "individuação criativa" (Gonçalves 2001).
14 h
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