NOTA DE REPÚDIO DO CENTRO DE ESTUDOS AMERÍNDIOS DA USP

NOTA DE REPÚDIO DO CENTRO DE ESTUDOS AMERÍNDIOS DA USP

O Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo (NAP CEstA/USP), somando-se a outras organizações de defesa de direitos dos povos indígenas, manifesta veemente repúdio à indicação de um missionário da organização evangélica norte-americana Missão Novas Tribos do Brasil para chefiar a Coordenação de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Essa indicação contraria e afronta princípios constitucionais, desconsidera critérios técnicos e a retidão no exercício do serviço público e, muito mais grave, coloca em risco imediato a vida, a cultura e os direitos de milhares de indígenas que vivem no território brasileiro, atingindo frontalmente os povos indígenas de contato recente ou em situação de isolamento. Afronta princípios constitucionais porque a República Federativa do Brasil é, por definição constitucional, um Estado laico, que deve preservar e garantir a convivência da diversidade cultural e religiosa e não promover, por meio de seus órgãos oficiais, como a FUNAI, o proselitismo religioso junto aos povos indígenas. Desconsidera critérios técnicos e a retidão no exercício do serviço público já que a indicação desse membro da organização evangélica Missão Novas Tribos do Brasil não recairia sobre um dos funcionários da FUNAI, concursados e qualificados para exercer os trabalhos empreendidos por essa instituição. Esse tipo de indicação era vetado pelo regimento da FUNAI até o dia 30 janeiro, quando o seu presidente, Marcelo Xavier da Silva, um delegado da Polícia Federal ligado à bancada ruralista do Congresso Nacional, em uma manobra astuciosa, alterou o regimento da FUNAI para tornar viável a nomeação que pretendem realizar para a chefia da Coordenação de Índios Isolados e de Recente Contato. Os povos e comunidades indígenas no Brasil se encontram em situações muito diversas de contato com a sociedade nacional, que vão desde a vida nas periferias de grandes cidades ou nas margens de estradas federais, passam por condições em que possuem seus territórios demarcados e contemplam também a existência de coletivos indígenas que têm optado por se manterem isolados da sociedade nacional ou mantendo contato bastante seletivo. Desde 1987, a FUNAI tem trabalhado para respeitar esse tipo de decisão, garantindo, assim, o direito à vida e à autodeterminação dos povos indígenas isolados no interior do Estado brasileiro. A reversão desse tipo de política para ações integracionistas e missionárias resultará certamente, como nos mostra a experiência histórica dos últimos 500 anos, na morte massiva de indígenas por doenças contra as quais eles não possuem imunidade, na entrada de agentes com outros interesses em suas terras, como grileiros de terra, garimpeiros e madeireiros ilegais, colocando em grave risco sua sobrevivência física e cultural e produzindo, assim, situações de ameaça aos direitos humanos e às garantias constitucionais. O Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo se soma à Articulação dos Povos Indígena do Brasil (APIB) e demais representantes do movimento dos povos indígenas que denunciam a gravidade da situação e repudiam essa indicação, que reverte os princípios consolidados das políticas públicas para índios isolados e de contato recente.

São Paulo, 3 de fevereiro de 2020.

Pesquisadores do Centro de Estudos Ameríndios da USP
cesta.fflch.usp.br