Os sons e os outros: reflexões sobre a arte verbal do povo Nadëb (Alto Rio Uneiuxi, Noroeste Amazônico)
O povo Nadëb habita o interflúvio dos rios Negro e Japurá, no Noroeste Amazônico brasileiro e seu idioma pertence à família linguística Naduhup, da qual fazem parte também o Dâw, Hupd’äh e Yuhupdeh. Na literatura especializada, os povos falantes dessas línguas são geralmente caracterizados pela alta mobilidade espacial e por terem vivido, até um passado recente, principalmente em regiões de cabeceiras de igarapés no interior da mata. Nesta apresentação, exibo algumas traduções de cantos e benzimentos realizados em parceria com professores e especialistas nadëb a partir do repertório que registrei em pesquisa de campo entre 2016 e 2019 no Alto Rio Uneiuxi (AM). Proponho, então, uma reflexão sobre o regime sonoro e a arte verbal nadëb e seu papel no sistema de relações interespecíficas em momentos e espaços cotidianos e rituais. A discussão considera, também, as alianças criadas com outros grupos humanos. Teço, ainda, breves considerações sobre elementos presentes neste repertório à luz de aspectos observáveis na arte verbal xamânica rionegrina.
Nian Pissolati Lopes, pós-doutorando no Departamento de Antropologia da FFLCH da USP com bolsa CAPES, possui doutorado em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, UFRJ (2023), mestrado em Antropologia pela UFMG (2023), graduação em Comunicação Social pela UFMG. Atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado no Departamento de Antropologia da USP. Desde 2016 desenvolve pesquisa com o povo Nadëb, que vive no Noroeste Amazônico brasileiro, com foco nos temas de xamanismo, arte verbal, territorialidade e mobilidade. Atuou em projetos junto aos Nadëb relacionados à gestão territorial, como a elaboração dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental - TI Uneiuxi e TI Paraná do Boá-Boá, e em projetos de salvaguarda cultural. É membro do Coletivo de Apoio aos Povos Yuhup-Hup-Dâw-Nadëb (CAPYHDN). Tem experiência nas áreas de etnologia indígena, antropologia da imagem, produção audiovisual e fotográfica.
Por que choram os cantores Boe (Bororo)? Luto, tempo e nostalgia em um ritual funerário centro-brasileiro
Durante as performances de canto nas cerimônias funerárias boe, é comum ver os cantores derramarem lágrimas. O que desperta seu luto, explicam eles, não é a morte mais recente, mas a lembrança dos cantores já falecidos que, em outros tempos, entoaram essas mesmas palavras. Suas vozes e maracás evocam a presença de outros, mas apenas para negá-la. Essa ruptura com seus mestres, por sua vez, amplifica-se em um sentimento mais abrangente de perda “cultural”. Tomando os cantos e os lamentos como fio condutor, esta apresentação explora três dimensões temporais dessas performances rituais e da constituição dos chefes-cantores boe: a biográfica, a intergeracional e a metacultural ou “histórica”. Busca-se, assim, mostrar como um ritual voltado à elaboração da ruptura geracional e da perda faz destas imagens um modelo para pensar o passado, o presente e o futuro coletivos — um mecanismo que converte o luto em nostalgia. Por fim, argumento que essas imagens do tempo não expressam um pessimismo passivo e contemplativo, mas sim uma forma ativa de nostalgia que transforma pessoas no presente e constitui a própria força que impulsiona a vida ritual em direção ao futuro.
João Kelmer é antropólogo, mestre pelo Museu Nacional da UFRJ e doutor em Antropologia Social pela Universidade de Cambridge. Atualmente, é bolsista de pós-doutorado da FAPESP no Departamento de Antropologia da USP. Desde 2020, desenvolve pesquisa etnográfica junto ao povo Boe (Bororo), na Terra Indígena Tadarimana, em Mato Grosso, investigando as relações entre luto, tempo e historicidade.
Processo Fapesp 25/09673-5