A Antropologia debruçada no estudo de um pequeno grupo indígena amazônico (pouco mais de 160 indivíduos), da região do médio Purus, poderia, quem sabe, parecer ao leigo ou desavisado, um exercício de chinesice, em alguns dos sentidos que tem essa expressão. No que toca ao sentido de argúcia, minúcia, paciência e respeito humano pelo Outro, há toda a razão para se considerar assim.
O estudo que a antropóloga Fabiana Maizza dedica à etnia Jarawara, consubstanciado no presente livro, certamente admira seus colegas de profissão e empreendimento e espanta o leitor menos afeito a um trabalho dessa natureza. De todo modo, é um trabalho de decifração e escrita ao mesmo tempo técnico e amoroso, que agradará a uns e a outros. E, ademais, o resultado é rigoroso e sem sentimentalismo, nos melhores padrões exigidos pela disciplina e ciência (inclusive a etnologia e a etnografia).
Assim, munida das teorias específicas, atualizadas e dominando a bibliografia já acumulada nos estudos indígenas, especialmente os amazônicos, a autora revela a complexidade quase inacreditável das estruturas e regras que regem a sociedade da pequena etnia Jarawara, tanto em sua condição material e meios de vida e suas relações com a natureza, quanto em suas práticas simbólicas, míticas e metafísicas.
Os cinco capítulos que constituem esse percurso descrevem, narram e interpretam, tudo com rara inteligência e sensibilidade, os múltiplos aspectos da perigosa cosmografia Jarawara, enredada na trama variada que atravessa desde seu atual território (os seres e as plantas que o habitam), o xamanismo encarregado dos espíritos e dos corpos, doentes ou não, o evangelismo ali presente (católico e outros), as relações de parentesco e os casamentos (pela via do modelo do dravidianato), a residência sedentária e também seus diferentes deslocamentos e retornos, com seus locais próprios, até o "mais além", que dá conta da "metafísica do roçado" e dos ex-parentes canibais do outro mundo.
Este livro oferece, quase como um filme em sua riqueza de imagens unidas às vantagens da escrita, a primeira pesquisa etnológica sistemática da etnia Jarawara. E mostra também que seus membros já assumiram e consolidaram uma consciência de direitos humanos e cidadania, a revelar o caminho mais seguro da sobrevivência das muitas etnias indígenas existentes no país.
O leitor, especialista ou não, encontra neste livro o conforto de uma contribuição decisiva para o conhecimento do nosso Outro, que é, na diferença, tão humano quanto nós.
Fabiana Maizza
Nankin Editorial
2012
248